quarta-feira, 30 de junho de 2010

Pentelhos do Rei - Ensaio sobre o amor

Amor é um desses termos que aprendemos ao longo da vida. À semelhança dos termos "papai" e "mamãe", cria-se um conceito pessoal do que venha ser amor. O amor aparece no filme; tem cheiro de perfume francês; causa arrepio; e a trilha sonora sempre é uma música maravilhosa - pra mim, "November Rain" do Guns n' Roses. Insatisfeitos, aqueles um pouquinho mais críticos chegam a se questionar buscando saciar o desejo primitivo de entender o porquê dessa vagueza. Contudo, sempre há um profeta, aquele exímio conhecedor das escrituras, aquele monge tibetano, aquele ser capaz de compreender e assimilar perfeitamente os fenômenos da vida, aquele provido de sensibilidade ímpar que sentenciará algo parecido com "quando estiver diante dele [do amor], você sentirá".

Em termos grosseiros, tal resposta é o que se denomina "sair pela tangente". É aquela resposta insatisfatória que, de tão oblíqua, o interlocutor sente-se acuado face a convicção com que é proferida, e que, de tão convicta, até uma ameba seria capaz de compreender. Gostaria que assim fosse. Gostaria que o amor fosse tão explícito a ponto de qualquer pessoa conseguir compreendê-lo, porém, não é o que ocorre.

Um primeiro grande problema, que aqui chamarei de "questão fundamental 1", é o fato de amor ser um termo equívoco (vários sentidos), utilizado para expressar inúmeros sentimentos/sensações, a saber: amor materno, amor à camisa, amor cristão, amor-sexo etc.

Como se pode ver, tratam-se de coisas distintas, ligadas tão somente pelo termo amor. Pergunto: existe algo que as unam? existe algo que justifique o emprego do termo amor? Ora, não vejo outra resposta se não uma espécie de "boost superficial" à próxima palavra que já traz em si o sentido necessário. Portanto, o amor nesses casos seria algo subsidiário, dispensável, desnecessário ao entendimento da sentença.

Se não, tomemos os exemplos citados: (i) amor materno: o sentimento em tela é o afeto entre a genitora e sua cria, algo instintivo, inerente aos mamíferos, portanto, para os nosso fins, "instinto"; (ii) amor à camisa: a expressão implica em "responsabilidade". A camisa traz consigo não só o peso da malha e do bordado, mas também da confiança nela depositada pelos torcedores, em que jogar torna-se um problema de muita gente; (iii) amor-cristão: a questão é mais de "respeito" ao próximo. Os mandamentos de Deus são tão complexos que precisou vir seu filho para sintetizá-los em poucas palavras para que os homens entendessem; e (iv) amor-sexo: conjunção carnal diferenciada.

Em suma, amor não diz especificamente nada; é uma palavra que necessita de contexto em todo momento em que é pronunciada, sob pena de adquirir a vagueza que lhe é - mas não deveria ser - natural.

Mas, ainda assim, não é só. Existe ainda uma "questão fundamental 2": o amor, longe de ser uma virtude, é uma máscara de um sentimento egoísta. E para afirmar isso, sirvo-me da hipótese da traição. O traído sempre sentirá indignação, pois julga que o traidor, antes de trair, deveria ter em mente a confiança que o traído nele depositara. Ora, o amor torna-se uma proteção, uma zona de conforto em que o amante sente-se ileso a sofrimento advindo do amado.

Ademais, ainda existe quem defenda ser o amor "dar uma parcela da sua liberdade em prol do outro". Bobinhos... num mundo em que a cadeia alimentar rege a vida; em que a competição é algo inerente ao animal, Milton Friedman bem resumiu numa dessas frases a se pronunciar todos os dias: "there's no [fucking] free lunch" - tradução livre: "não existe [%$#&*] almoço grátis". Ou seja, por trás do ônus, sempre há um bônus. Aquele que ama, busca algo em troca, sempre.

Entendo que essa questão é o ponto mais frágil daqueles que defendem o amor. Conceber-se o amor como sentimento "bom" e confrontá-lo com a sua face egoísta, anula-o completamente.

Existem outras "questões fundamentais", tais como a tautologia na expressão "amor platônico" - haja vista que todo amor é idealizado -, ou a impossibilidade de se medir/constatar o amor, das quais preciso refletir mais e acabar de vez com a idéia superficial desse amor que paira na vida humana como se fosse algo fundamental, natural e inerente a qualquer pessoa. Pelo contrário! O amor é dispensável; é vago; é superficial.

Assim, busquemos os verdadeiros sentimentos de respeito, afeto, amizade, cuidado, caridade, entre outras virtudes, todos eles desprovidos do amor que acaba por suprimir os verdadeiros sentidos dessas belas palavras.

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