sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Testículo do Vila - "O fim da agonia"

Alguém por ventura já sentiu pavor, temor, repugnância e agonia em um mesmo momento? Vou-lhes contar...

Estava a voltar de um afazer qualquer, sem a menor importância, e como de hábito, ao andar no metrô de são paulo pûs me a ler. Era um romance profundo, vivido, para não dizer encardido com as miasmas humanas.

Eu, horas antes, me encontrava em estado deplorável, afinal sou medíocre em quase tudo, inclusive quando se trata de sentir, mas não naquele dia. Ora, estava eu em plena atividade diária quando me dei conta: "Estou em nervos, suando em bicas, minha cabeça já não funciona, preciso sair, preciso deixar tudo, preciso ir..."

Voltando ao metrô, algumas horas depois, já me encontrava mais calmo, tranquilo, domesticado. Foi quando ao ler meu anti-herói, Ródia, que percebi uma semelhança nítida entre as linhas e minhas linhas, eu era um desastre. Veio-me então todo tipo de sentimento, da mais notória vileza, me atormenta a alma só mesmo pensar.

Fiquei em pânico, desesperado, senti que queria findar tal agonia, pedi a morte. Sozinho, no canto, sentado. Enquanto o trem passava, sofria quieto, sem coragem de gritar. Mas que repúdio, que ódio, fiquei com asco. Não sou nada que já não sabia, mas ali se apresentou a mim minha pior face, a visão de um fraco em farrapos, sem força para reagir diante de algo que lhe esmaga, uma dor dilacerante, que me traz ferrugem, que fede.

Insisti em ler, era desesperador, precisava continuar, achar uma esperança para minha vida naquelas muitas linhas. Elas só me faziam tremer, e mais uma vez, em agonia, dei um fim. Fechei o livro e os olhos, voltei a ignorância de minha mente medíocre, e apenas com a certeza de que é melhor assim.

Por fim, hoje sei, mais que nunca: "A poesia me faz chorar ao saber que tudo que sinto, por sua vez, é sentido não por mim, mas pelas linhas que me regem".

Deixo-os, então, com um poema que é símbolo de meu otimismo em uma vida sem estradas, sem certezas, sem futuro e sem alegria, mas uma vida vivida, sentida com as tripas.

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

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