domingo, 5 de setembro de 2010

O Próprio - Por que votar? ou não...

Nesta época em que só se fala de eleições, trouxe um "pequeno" texto bastante esclarecedor sobre o tema.


"Nos departamentos de economia de certas universidades, circula uma história famosa, mas provavelmente apócrifa, sobre dois economistas de renome mundial que se encontraram quando se preparavam para depositar seus votos na urna eleitoral.

"O que você faz aqui?", perguntou um deles.

"A minha mulher mandou que eu viesse", respondeu o outro.

O primeiro balançou a cabeça em sinal de que entendera. "Comigo ocorreu o mesmo".

Após um momento mutuamente constrangedor, um deles concebeu um plano: "Se você prometer que nunca dirá a ninguém que me viu aqui, eu prometo também jamais contar que te vi neste local". Eles deram um aperto de mão, cumpriram a sua tarefa de eleitores e deram o fora.

Por que um economista ficaria embaraçado por ser visto em um local de votação? Porque a votação implica um custo --em tempo, esforço e perda de produtividade--, sem nenhum retorno discernível, exceto, talvez, por alguma sensação vaga de "cumprimento do dever cívico". Conforme a economista Patricia Funk escreveu em um trabalho recente, "Um indivíduo racional deveria se abster de votar".

A possibilidade de que o seu voto venha realmente a afetar o resultado de uma determinada eleição é extremamente remota. Isso foi documentado pelos economistas Casey Mulligan e Charles Hunter, que analisaram mais de 56.000 eleições parlamentares federais e estaduais realizadas nos Estados Unidos desde 1898.

Apesar de toda a atenção dada pela mídia às eleições muito disputadas, a verdade é que tais eleições são bastante raras. A vantagem média das vitórias nas eleições para o Congresso é de 22%, e para as assembléias estaduais de 25%. Até mesmo nas eleições mais apertadas, um voto individual quase nunca é crucial para decidir a disputa.

Dentre as mais de 40 mil eleições parlamentares estaduais analisadas por Mulligan e Hunter, envolvendo mais de um bilhão de votos, somente sete eleições foram decididas por um único voto, e apenas duas terminaram empatadas. Dentre as mais de 16 mil eleições para o Congresso, nas quais um número bem maior de eleitores vota, somente uma eleição nos últimos cem anos --uma disputa eleitoral em Buffalo, no Estado de Nova York, em 1910-- foi decidida por um único voto.

Mas há uma questão mais importante: quanto mais disputada for uma eleição, maior é a probabilidade de que o seu resultado não dependa dos eleitores. Este exemplo ficou mais patente, é claro, na eleição presidencial dos Estados Unidos de 2000. É verdade que o resultado daquela eleição acabou sendo decidido por um punhado de eleitores. Mas os nomes destes foram Kennedy, O'Connor, Rehnquist, Scalia e Thomas [juízes da Suprema Corte dos EUA, que decidiram que os votos da Flórida não deveriam ser recontados, o que deu a vitória a George W. Bush]. E foram apenas os votos dados por eles enquanto usavam as suas túnicas de juízes federais que tiveram importância, e não aqueles que depositaram nas urnas como cidadãos comuns.

Mesmo assim, as pessoas continuam votando aos milhões. Por que? Eis aqui três possibilidades:


1. Talvez nós simplesmente não sejamos muito espertos e, portanto, acreditemos erroneamente que os nossos votos afetarão o resultado final.


2. Talvez votemos com o mesmo espírito de quem compra bilhetes da loteria. Afinal, as nossas chances de ganhar na loteria ou de afetar o resultado eleitoral são bastante similares. Sob uma perspectiva financeira, jogar na loteria é um mau investimento. Mas é algo divertido e relativamente barato: pelo preço de um bilhete adquire-se o direito de construir fantasias sobre como gastar o dinheiro da premiação --de forma semelhante à nossa fantasia de que o nosso voto terá algum impacto sobre a política.


3. Talvez tenhamos sido socializados em torno da idéia do voto-como-um-dever-cívico, acreditando que, se as pessoas votarem, estarão fazendo uma boa ação para a sociedade, ainda que tal ação não seja particularmente boa para o indivíduo. E, assim, nos sentiríamos culpados por não votar.

Mas, espere um minuto, diria você. Se todo mundo pensar no voto à maneira dos economistas, poderemos terminar não tendo eleição alguma. Nenhum eleitor compareceria às urnas acreditando realmente que o seu voto individual afetaria o resultado da eleição, não é mesmo? E não seria uma crueldade até mesmo sugerir que o voto do eleitor é completamente inútil?

Eis realmente uma questão intrigante --um comportamento individual aparentemente sem sentido, que, quando agregado a outros semelhantes, se torna bastante significativo. Eis um exemplo similar revertido. Imagine que você e a sua filha de oito anos caminham por um jardim botânico quando, subitamente, ela arranca um belo botão de uma árvore.

"Você não deveria fazer isso", diz você à criança.

"Por que não?", pergunta ela.

"Bem, porque se todo mundo arrancar uma flor, não restará flor alguma", argumenta você.

"Sim. Mas ninguém mais está arrancando flores", diz ela com um olhar expressivo. "Somente eu".

Nos velhos tempos havia incentivos mais pragmáticos para que o eleitor votasse. Os partidos políticos pagavam regularmente US$ 5 ou US$ 10 aos eleitores para que estes depositassem o voto "correto" nas urnas. Às vezes tal pagamento era efetuado na forma de um pequeno barril de uísque, uma saca de farinha de trigo, ou, no caso de uma eleição congressual em New Hampshire, em 1890, um porco vivo.

Hoje, como naquela época, muita gente se preocupa com o baixo comparecimento do eleitorado às urnas --somente um pouco mais da metade dos eleitores participou da última eleição presidencial norte-americana--, mas poderia valer mais a pena virar este problema de ponta-cabeça e, em vez disso, formular uma pergunta diferente: considerando que o voto de um único indivíduo quase nunca tem importância, por que então tanta gente ainda se dá ao trabalho de votar?

A resposta pode estar na Suíça. Foi lá que Patricia Funk descobriu um maravilhoso experimento natural que permitiu que ela fizesse uma avaliação precisa do comportamento do eleitor. Os suíços adoram votar --nas eleições parlamentares, nos plebiscitos, ou em qualquer outra oportunidade que se apresente. Mas a participação do eleitor começou a diminuir no decorrer dos anos (talvez lá os políticos também tenham deixado de fornecer porcos vivos), de forma que se criou uma nova opção: o voto pelo correio.

Enquanto que nos Estados Unidos todo eleitor precisa se registrar, na Suíça a situação é diferente. Todo cidadão suíço recebe automaticamente uma cédula pelo correio, que, a seguir, pode ser preenchida e enviada à Justiça Eleitoral, também pelo correio.

Sob a ótica de um cientista social, existe beleza na montagem desse esquema de votação postal. Devido ao fato de ele ter sido introduzido nos diferentes cantões (os 26 distritos semelhantes a Estados que compõem a Suíça) em anos distintos, foi possível realizar uma mensuração sofisticada dos efeitos da medida no decorrer do tempo. Nunca mais nenhum eleitor suíço precisou marchar até as urnas debaixo de uma chuva torrencial. O custo do voto individual foi significativamente reduzido. Portanto, um modelo econômico preveria que a participação do eleitor aumentaria substancialmente. Foi isso o que aconteceu?

De jeito nenhum. Na verdade, com freqüência, a participação do eleitor diminuiu, especialmente nos cantões menores e nas pequenas comunidades. Essa descoberta pode ter sérias implicações para aqueles que defendem a votação pela Internet --que, há muito tempo se argumenta, tornaria a votação mais fácil e, portanto, incrementaria a participação do eleitor. Mas o modelo suíço indica que a verdade pode ser exatamente o contrário.

Mas, por que as coisas ocorrem dessa forma? Por que um número menor de pessoa votaria quando o custo da votação fosse reduzido?

A resposta tem a ver com os incentivos subjacentes à votação. Se um determinado cidadão não enxerga a possibilidade de o seu voto afetar o resultado eleitoral, por que então ele se importaria?

"Na Suíça, e também nos Estados Unidos, existe uma norma social bastante forte, determinando que um bom cidadão comparece às urnas", escreveu Funk.

"Enquanto a votação nas urnas tradicionais era a única opção possível, havia um incentivo (ou pressão) para o comparecimento do eleitor, apenas para que este fosse visto a votar. A motivação poderia ser uma esperança de contar com estima social, benefícios pelo fato de ser visto como um cooperador, ou simplesmente uma tentativa de evitar ser alvo de sanções formais. Como nas comunidades pequenas as pessoas conhecem melhor umas as outras e fazem fofocas sobre quem cumpriu ou não com os seus deveres cívicos, os benefícios advindos da aderência à norma são particularmente elevados nesse tipo de comunidade".

Em outras palavras, nós votamos devido ao interesse pessoal --uma conclusão que satisfará aos economistas--, mas não necessariamente devido ao mesmo auto-interesse expresso na escolha que fazemos na cédula eleitoral.

Apesar de toda essa história a respeito de como as pessoas "votam com o bolso", o estudo suíço sugere que o que pode nos impelir a votar é mais um incentivo social do que financeiro. É bem possível que o lucro mais valioso obtido com o voto seja o fato de o eleitor ser visto pelos seus amigos ou companheiros de trabalho no local de votação.

A menos, é claro, que você seja um economista."


Texto retirado do livro Freaknomics, por STEPHEN J. DUBNER e STEVEN D. LEVITT



Stanley Allen

2 comentários:

  1. Chega a ser engraçado de tão absurdo. Aliquila-se a democracia sob o pretexto do pensar economicamente.

    A democracia é governo do povo via eleições válidas, em que o povo participa da escolha de seus representantes por meio do processo eleitoral legitimado pelo próprio povo.

    É leviana a concepção de que um voto não pode decidir uma eleição. O que seria da Dilma sem o "voto" do Lula? Tal como o Lula, existem outras pessoas que, por meio de seus votos, acabam por influenciar os demais eleitores e decidir uma eleição. Não que isso seja bom ou ruim, mas isto é um fato. Diria que até é um fato inegável.

    Mas afinal, o que pessoas como o Lula possuem para influenciar votos? Além do poder - já que estamos falando do Lula -, muito mais importante é a zona de influência que tais pessoas conquistam por meio de suas realizações e atitudes, como também na confiança que os influenciados depositam nos seus influenciadores.

    Em tempo, já que tocamos no tema das eleições, cabe também fazer o alerta de que voto nulo (voto "apolítico") não anula eleição. Nos termos do Código Eleitoral Brasileiro, são nulas as eleições que possuam mais de 50% de votos anulados, ou seja, votos fraudulentos que sejam declarados nulos por decisões judiciais, conforme pacíficos e reiterados precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Portanto, aquele que vota nulo deve ter em mente que está contribuindo para a vitória do então mais votado, que pode não representar a defesa dos interesses dos eleitores.

    Em suma, considerando o ideal da democracia de defesa dos interesses do povo mediante uma eleição onde a maioria vença, com respeito as minorias, o voto precisa ser consciente e deve levar em consideração para quais funções o candidato foi eleito, além de, principalmente, dever o eleitor fiscalizar seus candidatos com o maior rigor possível, à semelhança do que fazem os partidos políticos e grande grupos econômicos, ante a inércia e ignorância do povo na defesa de seus próprios interesses.

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  2. O Rui resumiu o que tinha a dizer em um parágrafo: "É leviana a concepção de que um voto não pode decidir uma eleição. O que seria da Dilma sem o "voto" do Lula? Tal como o Lula, existem outras pessoas que, por meio de seus votos, acabam por influenciar os demais eleitores e decidir uma eleição. Não que isso seja bom ou ruim, mas isto é um fato. Diria que até é um fato inegável".

    Dito isso, só digo o seguinte: uma opinião é mais importante que o voto em si, e o ato de as pessoas saberem que você irá votar nesse ou naquele candidato é ainda mais importante que a simples opinião. Por isso que os candidatos, membros do partido vão votar publicamente e sorrindo, você faz o mesmo, só que em menor escala.

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