sábado, 12 de fevereiro de 2011

Testículo do Vila - "Quando emprestei meus olhos"

Para ouvir enquanto lê: Samba de Benção

Esses dias recebi um daqueles convites irrecusáveis, a lindissima Sofia pediu-me para que lhe apresentasse São Paulo, mas de uma forma bem brasileira. Apesar de ser carioca, topei!

Pensei um tanto. Até tentei virar paulistano para planejar melhor o que poderíamos fazer, o que poderia lhe mostrar. Cheguei a conclusão que a levaria aos pontos tradicionais da cidade, obviamente comecei errando...

Marquei para às nove horas na paulista, porém esqueci de avisar que sou um ser de hábitos quase que exclusivamente noturnos, e que por isso iria me atrasar. Cheguei a sair sem tomar café - que no meu caso seria um suco de laranja com qualquer outra coisa.

Qual não foi minha surpresa, que no caminho Sofia me liga e diz que se atrasará, da uma desculpa qualquer e diz que é notívaga e eu estava forçando... Me fiz de coitado.

Oi pra cá, você está linda pra lá, lindo dia, seguimos andando. "A paulista é um lugar interessante para se andar não?" "Não sei, acho que tem muitos prédios", acho que as coisas são assim mesmo, a paulista desperta mais interesse em quem está acostumado a ve-la como paulistano!

Decido que preciso comer algo, as dores de cabeça, provenientes das contínuas cervejas na noite anterior andam me desgastando. Convido-a para ir a uma boa padoca, ali na região. Sentamos, comemos, ela pouco, eu muito, sem cerimônias. Explico o valor de uma boa padoca para qualquer paulistano, ela me deixa e eu continuo, digo que mais que isso, a padaria é um desenvolvimento econômico sustentado pela necessidade e paixão do paulistano por uma boa padaria. Ela ri, e fingi concordar enquanto come sua empadinha com suco de lichia (vai entender?!). Eu em vão tento explicar o porquê do pão na chapa e do café com leite. Ela, abre um lindo sorriso - que me lembra Neruda* - e pergunta: "E agora? Estou ansiosa!", eu paro, consulto meus planos mentais e arrisco: "MASP!"

A caminhada é tranquila, falamos de arte, de expressão de sentimentos. Eu concordo mais do que falo, é um terreno confuso. Ela me pergunta sobre Di Cavalcanti, eu respondo falando que gostava da amizade dele com Vinícius e de sua entrevista ao pasquim... A conversa se perde. Chegamos!

A exposição era sobre um grupo de artistas alemães, que minha turva ignorância nada sabe dizer, dou graças quando minha jovem acompanhante prefere ouvir um pequeno grupo de jazz que se apresentava ali mesmo no vão, e deixamos para lá o museu. De lá vamos para a gazeta, ver qual filme é possível na reserva, e no caminho conversamos sobre a musica de rua - que na verdade é um doce disfarce para o fato dela prefirir ir ao museu sozinha, longe de meus comentários e opiniões escrachadas.

Decidimos por Vincere! Segundo ela um trama de uma mulher forte, viva e audaz em sua luta; Italianíssima, tal qual ela me confessa ser também, pelo menos em sangue, enquanto percorre o salão olhando um a um os cartazes de cinema, e diz que é apaixonada por eles.

Ali, sentados no café, alguns devaneios acontecem, e eu percebo que não lhe apresentei nada tipicamente brasileiro. Pecisamos corrigir isso no almoço. Da-se uma discussão: "Onde posso te levar?" ela me diz que a minha imaginação é o limite. Tento uma churrascaria, recusa; tento uma macarronada no arouche, nova recusa; lembro que é sábado e ofereço uma fejuca no bar brahma, e incrível, nem isso! Ela me diz que quer algo a mais, uma coisa mais específica, não tão obvia. Fala sobre amor e sobre a relação entre um bolinho de peixe que ela só comia com o pai quando ele a levava ao porto. Entendi o recado...

Sem mais, levanto e peço que ela me siga, vou-lhe apresentar algo que é meu, tão somente meu. Sigo com ela para a consolação e paramos no sujinho. Ela me pergunta por que estamos ali, e eu explico que no rio comemos feijão preto, em São Paulo, por ironia do destino, se come feijão carioca,e que aquele era o melhor feijão que havia comido.

Almoço tranquilo, a Sofia me conta varias coisas divertidas, desde churrasco de canguru até a paixão dela pelo mar, pelo surf. Eu me identifico e comento sobre outras banalidades.

Demoramos a sair do lugar, no caminho de volta faço um pequeno desvio para lhe mostrar um prédio que gosto e um ou outro detalhe sobre a região, momento em que ela tira algumas fotos e pede para que eu faça uma ou outra careta. Cansada, pedimos um taxi. Conto que em São Paulo os taxistas são mais honestos e que no Rio as coisas não são bem assim... Ela diz que odeia desonestidade - quase cometo a bobagem absurda de dizer que isso é um traço cultural no país.

Vincere! O filminho mais genioso, mas é chato. A mulher é de fato forte, vibrante, batalhadora. Mas está na época errada. Digo isso, ela me diz que esse é o traço marcante do filme, sua conduta moral, sua recusa a aceitar o macho alfa dominante; eu acho tudo muito chato, mas ok.

A noite vai começar, mas ainda há algum tempo até lá. Ela precisa ir pra casa tomar um banho, mais tarde iremos ouvir alguma música, eu prometi. Tennho tempo para escolher algo... deixo os pensamentos ao sabor do vento.

Como já estava na paulista, decidi por visitar a livraria cultura, ver algum livro interessante, algo que me inspire enquanto tenho uma reflexão sobre o dia que passou. Acho por fim que não dei a Sofia o que ela me pediu, um dia tipicamente brasileiro...

Não tem importância, o dia foi alegre e a alegria é a melhor coisa que existe.

De resto, a Sofia terá que descobrir a sua própria brasilidade. O que fiz foi apenas tentar lhe mostrar a minha, os meus referenciais brasileiros dentro de uma metrópole tão vasta! A paulicéia é encardida pela fumaça, mas também por pessoas como eu, e como a Sofia, cada um ao seu caso, com a sua marca específica.

Na verdade eu tentei lhe dar meu olhar sobre coisas muito particulares, sobre situações e afetos, sobre sensações. Só agora percebi meu erro: Ao tentar dar-lhe minha visão sobre tudo que nos rodeava, falava mais de mim do que da cidade, mais do que é essencial a minha existência. Partilhei com ela um pouco de tudo que sou, tão brasileiro quanto posso ser.

O fato é que já não tenho mais meus olhos como outrora, ela me roubou isso e eu consenti. Dei a ela o que sou e já não o sou, meus olhares mudaram junto com o que ela interpretou de meus olhos, quando vir a paulista novamente vou perceber mais prédios, pois ela assim notou. Assim a vida se dá com todos, presumo, uns menos outros mais.

Vamos ver o que nos resta então. Acho que a noite promete um samba, quiçá um Rock 'n Roll! O fato é que ela irá mudar isso também, mas estou ansioso, a aguardo me trazendo mais um pouco de alegria e quem sabe um samba no pé?!

*"Quítame el pan, si quieres,

quítame el aire, pero

no me quites tu risa."

[Tu risa, Neruda]

2 comentários:

  1. Não sei se fico mais feliz com a citação ou com a música... Vinicius foi quase sacanagem! Uma das minhas paixões! O texto ficou lindo.
    Olha só, seu pseudo carioca, malandro: desse jeito você derrete meu coração!
    Agora fico devendo o relato da noite. Adorei!

    Bacio con amore, mio caro amico

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  2. Nada como um passeio com alguem querido para descobrir o que existe de mais interessante nas relações e nos lugares visitados, sejam requintados ou tão simples quanto prazerosos.

    "descobrir a brasilidade!", descobrir os gostos de um lugar que tudo oferece. Fantástico.

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