domingo, 13 de fevereiro de 2011

O próprio – Tédio

Em primeiro lugar gostaria de dar boas vindas às novas colunistas, vocês deram uma boa movimentada neste blog, tanto que até eu estou escrevendo. E que queria dizer o ano de 2011 tem sido bastante divertido, e vocês são parte fundamental dessa diversão.

Comecemos então com uma música que serviu de inspiração: I’m bored – Iggy Pop

Um sábado a noite que prometia encontro com antigos amigos e muita diversão, se tornou um noite de tédio em casa, e o que há de melhor para fazer quando se está entediado do que pensar o tédio, tema recorrente nas minhas reflexões das últimas semanas, graças a ter conhecido uma pessoa bastante entediada, e como conheço perfeitamente a sensação, escreverei um pouco sobre o tema inspirado no livro “Filosofia do Tédio – Lars Svendsen”.

O autor do livro um filósofo norueguês resolveu se debruçar sobre este tema que afeta uma porcentagem muito considerável da população, apesar de ser um fenômeno de difícil diagnóstico de forma objetiva.

O tédio sempre contém um elemento crítico, porque expressa a ideia de que dada situação ou a existência como um todo são profundamente insatisfatórios. Na corte francesa, o tédio era privilégio exclusivo do monarca, pois, se alguma outra pessoa ali o expressasse, isso provavelmente seria interpretado de um única maneira: a de que o monarca a entediava. O que provavelmente acabaria com cabeças rolando.

Além disso, o tédio está associado a uma maneira de passar o tempo, em que o tempo, em vez de ser um horizonte de oportunidades, é algo que precisa ser consumido. As pessoas que vêem televisão quatro horas por dia não se sentem nem se confessam entediadas, mas por que outra razão despenderiam dessa maneira 25% das horas que passam acordadas? O lazer, naturalmente, apresenta-se com uma explicação: dispomos de muito tempo de sobra, que tem de ser consumido de alguma maneira – e poucos tipos de aparelho destroem o tempo com mais eficiência que uma televisão. Em última analise, dificilmente haverá qualquer outra razão para se assistir à televisão durante muitas horas, que se livrar de um tempo supérfluo ou desagradável.

Fernando Pessoa aborda o tema do tédio, sob o heterônimo de Bernardo Soares no Livro do Desassossego, com a maestria que lhe é peculiar, e escreve:

“Dizem que o tédio é uma doença dos inertes, ou que ataca só os que nada têm que fazer. Essa moléstia da alma é, porém, mais sutil: ataca os que têm disposição para ela, e poupa menos os que trabalham ou fingem que trabalham (o que para o caso é o mesmo) que os inertes deveras.

Nada há pior que o contraste entre o esplendor natural da vida interna, com as suas Índias naturais e os seus países incógnitos, e a sordidez, ainda que em verdade não seja sórdida, de quotidianidade da vida. O tédio pesa mais quando não tem a desculpa da inércia. O tédio dos grandes esforçados é o pior de todos.

Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada. E, sendo assim, quanto mais há que fazer, mais tédio há que sentir.

Quantas vezes ergo o livro onde estou escrevendo, e que trabalho, a cabeça vazia de todo o mundo! Mais me custara estar inerte, sem fazer nada, sem ter que fazer nada, porque o tédio, ainda que real, ao menos o gozaria. No meu tédio presente não há repouso, nem nobreza nem bem-estar: há um apagamento enorme de todos os gestos feitos, não um cansaço virtual dos gestos por não fazer.”

O tempo é normalmente transparente – não o percebemos em absoluto – e não aparece como uma coisa. Mas em nossa confrontação com o nada no tédio, em que o tempo não está cheio de nada que possa ocupar nossa atenção, temos, enfim, consciência dele. Se fossemos imortais, a existência seria desprovida de significado. O tédio é entediante porque parece infinito; no entanto, trata-se de uma infinidade com que nos deparamos nesta vida, e é, portanto, capaz de nos mostrar nossa própria finitude. As escolhas são importantes porque não podemos fazer um número infinito delas. Quanto mais escolhas e possibilidades houver, menos importância cada uma delas terá. Cercado por um seleção infinita de objetos “interessantes” que podem ser escolhidos de modo a serem descartados, nada terá valor algum. Por essa razão, a imortalidade, que permitiria um número infinito de escolhas, teria sido imensamente entediante.

A solução mais difundida de tentar “escapar” do tédio é através da eterna busca pela novidade. Mas o novo sempre se transforma rapidamente em rotina, e, então também o novo se entedia, pois é sempre o mesmo, entedia quando tudo é intoleravelmente idêntico, porque o que está na moda sempre se revela como a “a mesma velha coisa em uma carroça nova em folha (Same old thing in brand new drag)”, como disse David Bowie em “Teenage Wildlife”.

Não há solução mágica para o tédio. O problema reside, antes de mais nada, em aceitar que tudo que é dado são pequenos momentos (no amor, na arte, na embriaguez), e que a vida oferece muito tédio entre estes. Pois a vida não consiste em momentos, mas em tempo. É preciso aceitar o tédio como um dado incontornável, como a própria gravidade da vida. Não é uma solução grandiosa – mas não há solução para o tédio. É preciso aceitar que a vida em certa medida é entediante, mas ao mesmo tempo perceber que isso não a torna insuportável. O que não resolve coisa alguma, é claro, mas muda a natureza do problema.

3 comentários:

  1. É uma pena que alguem que escreva tão bem fique tão ausente e achando desculpas infames para sua ausência...

    Todo e qualquer sentimento, tédio, amor, solidão, esperança merece livros de interpretação e ainda sim não chegaríamos a uma conclusão. Esse pouco compartilhado ajuda a todos que leem entender um pouco melhor de si mesmos.

    Inclusive isso pode ser assunto para outro post. Por acaso o meu.

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  2. concordo com o cara de cima!

    mas em todo caso vale lembrar que o tédio é fonte inspiradora para a maioria de meus afazeres!

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  3. Josias, você está falando de tédio ou do famoso "ócio produtivo"?
    Ah! Não esqueci: te devo um post querido...

    Ao autor: não é à toa que este reinado lhe pertence! Bela perspectiva e ideia admirável: escrever sobre um objeto tão incomum nas discussões cotidianas. Gostei!

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