quarta-feira, 14 de julho de 2010

Pentelhos do Rei - Amâncio: o amante.

Amâncio é um homem crente no amor. Já era esperado. Teve a infelicidade de ser batizado com esse nome, pois, só na cabeça de sua mãe, o termo "Amâncio" é o nome de "Amor manso". Pequenos acasos da vida.

Primogênito, filho de pais separados, criado pela mãe, com ela e sua irmã mora até hoje, no auge de seus 28 anos. O contato com seu pai sempre foi insignificante. Talvez a falta de uma referência masculina tenha-o feito tímido, introvertido e desajeitado.

Pois bem. Um dia, como fazia em quase todos, Amâncio estava no ponto de ônibus próximo a sua casa, aguardando o ônibus que o levaria para o seu trabalho, até que sentiu um leve toque no ombro direito. Ao se virar, uma bela moça perguntou:

- Oi. Por gentileza, que horas são?

Naquele momento, Amâncio ficou petrificado. Na sua frente estava a mulher que, curiosamente, tornava concreto aquele sonho recorrente que o perseguia há muitas noites, pra não dizer anos. Os olhos daquela mulher eram como os de Capitu: "(...) de cigana oblíqua e dissimulada (...)". Mas não eram só os olhos que chamavam a atenção, reparou Amâncio. Ainda petrificado, reparou que aquele sonho trajava uma descompromissada calça jeans e uma regata branca, as quais ressaltavam as belas curvas, ou seja, a simplicidade feminina que sempre desejou. Logo a cabeça de Amâncio foi assaltada pelos belos momentos que teve com ex-namoradas no interior paulista. O traje nunca lhe deixou a cabeça. Já as mulheres...

- Moço, que horas são?

Não adiantava. Amâncio não se mexia. Estava embriagado com o leve cheiro doce que emanava dos longos cabelos castanhos daquela moça. Estava embriagado, também, com as curiosas constatações de que aquela era a mulher dos seus sonhos: "A voz que eu sempre imaginei", "A pele que eu sempre quis tocar", entre outras frases que disparavam de um lado para o outro de sua mente. Nada de pensamentos sujos ou obscenos. O sexo para Amâncio sempre foi uma consequência do amor; sempre foi divino, por isso, sempre fugia desses pensamentos pobres. Não. Naquele instante ele estava pensando que seria com aquela mulher que ele teria os filhos o bastante para montar um time de futebol de salão. "De futebol de salão!", sussurrou ele. Seria com aquela mulher que ele dividiria todas as manhãs ao acordar. Seria, pois, naquela mulher que vestiria tão somente uma camisa sua branca na beira da cama e, segurando um copo de água, ela perguntaria que horas seriam aquelas.

A moça já apontava desesperadamente para o pulso:

- Me desculpe, Senhor. Mas, mais uma vez, por gentileza, que horas são???

Inútil. Como se aquela moça falasse outro idioma, Amâncio nada compreendia. A única coisa que importava era quão bela era a voz daquilo que era a materialização de seu sonho. Era doce, suave e levemente rouca. A boca, então, tão viva, tão inebriante... naquele momento achou que sentia um leve beijo na orelha, o que o fez fechar os olhos e dobrar os joelhos de tanto êxtase.

Enquanto Amâncio se contorcia com um leve sorriso no rosto, a moça, já irritada, desistiu da empreitada de saber as horas e acenou para o ônibus que tanto aguardava. O ônibus parou, ela subiu e, com o veículo já em movimento, fitou Amâncio pela janela, descrente da cena que acabara de presenciar.

Ao dar por si, Amâncio viu o ônibus saindo com a sua amada e correu desesperadamente atrás dele. Durante a corrida, todos os seus devaneios foram se desfazendo um a um. Caiu por terra a Capitu; as manhãs; os filhos; a camisa branca; os belos momentos, sobrando tão somente o sonho de ter aquela mulher novamente por perto. Ainda correndo, chorou.

Ainda em prantos, vendo que era inútil a sua corrida, parou e percebeu que ela por um momento esteve ao seu alcance, mas se foi. E ele chorou.

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