domingo, 7 de agosto de 2011

O Mendigo

Coloca o saco enorme e pesado no chão.
Começa tirando o colchão, ja com molas quebradas. Tira o cobertor, que também é telhado, deita-se, liga o radinho de pilha que já não sintoniza direito e da uma bela golada da granadinha Pedra 90. Tudo isso bem ali, do lado do posto de esquina, embaixo da loja de assistência técnica de fogões e bem perto do farol daquela grande avenida

E assim começa a vida do mendigo, que acabara de optar por aquele jeito de viver.
Era novo, não sabia o que levar, o que comprar, onde conseguir dinheiro e onde ficar. Ja ouviu muitas sugestões de quem gostava ou não da idéia, mas acabou decidindo por si só. "Vou morar na rua!".

Mas o mendigo era novo, inexperiente. Durou pouco até perceber que incomodaria um bocado onde estava, e percebeu tarde, bem no momento no qual o levaram para um abrigo.
A primeira tentativa foi frustrante, e insuficiente. "Quero a rua denovo!"
Conversou bastante com os outros do abrigo, fez amizades, e ouviu alguns reclamarem e outros elogiarem da vida nas ruas.

A sua vontade de voltar era enorme, e ele não passava vontade.
No mínimo descuido da segurança, apanhou os pertences e pulou a grade do abrigo.

Da segunda vez usou um pouco da inteligência. Instalou-se em um lugar isolado onde conseguiria fila o resto da comida do restaurante e onde não incomodaria ninguem...
Ali ficou bastante tempo, mas não conseguia disfrutar da liberdade e curtição das quais uma situação daquelas permitiria, e a monotonia veio, e cresceu, e cresceu, e cresceu.
A chatisse acumulou e com raiva arrumou briga que resultou na volta para outro abrigo.

Estava quase desistindo da idéia de voltar para as ruas. Aquele outro abrigo era grande, tinha muita gente, a comida era boa e poderia dormir bastante.
Jogou baralho, tomava bebida escondida, não passava frio ou chuva e ainda conseguiu furar com uma outra que já se acostumara no abrigo. Aparentemente não tinha o porquê de sair dali.
Mas, a vida é uma jornada, não um destino. Não conseguiria completar sua jornada ali. E veio uma vontade súbita de querer ir embora.
Depois de 3 tentativas dentre 2 meses onde fora apanhado pelos guardas, conseguiu novamente sair.

O mendigo já estava experiente, por isso alojou-se naquele bairro sem segurança e com muitas almas bondosas que o sustentavam com óbulos.
Alí sim... Bebia quando queria, jogava com outros mendigos, ia nas festas de rua, ouvia o seu radinho e zombava de quem passasse por ali na calçada. A vida que queria.
Mas o mendigo também era gente, e como qualquer outro ser humano, não estava satisfeito. Queria muito mais.
Trocou de bairro, foi para a ala dos traficantes. Lá usou drogas que nunca havia usado, misturava com bebidas e brigava com gente que poderia lhe tirar a vida facilmente. Teve overdoses.
Foi intenso, e foi trágico. À beira da morte causada pelos tóxicos, desnutrição e hipotermia, chegam as viaturas para acabar com a festa do tráfico e levar as vítimas para um lugar seguro, conhecido como abrigo.

Passou maus bocados, e viu que a vida nas ruas pode ser bem perigosa, até fatal.

Parece fácil abominar o tipo de atitude de um cara desses, onde o normal é não morar na rua. Passava frio e chuva às vezes, mas ele não trabalhava, bebia sua birita quando bem quisesse e era invisível à maioria, ou seja, não lhe enchiam o saco. Enfim, ele gostava daquela vida, era tranquila e boa desde que não fosse idiota como da última vez.

Aquele abrigo sim. Era maior ainda que o último. Com mais gente. E mais mendigas.
Todos se gostavam la dentro, e poucos cogitavam sair dalí.
Mas ele não podia, ali, beber sua granadinha. E tinha que trabalhar por sua comida. Estava seguro, mas não estava imune à sensação de liberdade e aos benefícios da sua rua, na qual vivera tanto tempo e ja estava acostumado. Ele nem lembrava mais de como era não viver na rua.

Durante as conversas muitos tentavam o convencer de que tinha que ficar alí, mas é difícil convencer alguem que assume sua personalidade A.
Pensou...
Ponderou as circunstâncias...
Pensou mais.

Não teve jeito, o coração ja estava apertado:
Pulou o muro, e foi embora no meio da madrugada.
Daquela vez ele até já sabia onde moraria, decidido a levar a vidinha do qual estava acostumado.

2 comentários:

  1. Lendo seu texto eu lembrei de Freud. Ele dizia que o ser humano tem basicamente 2 desejos: sexual e o de ser importante. Posto isso, estariam esses desejos ligados à liberdade? O caso do mendigo me deixou pensativo...

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  2. Caro ABBA,

    Me limito a dizer, por aqui, que a liberdade é aquele que o deixa feliz, tal como sexo, e em menor peso, o ser importante. Se ficou em dúvido, é porque gosto de fazê-lo pensativo.

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